DICAS DE UMA ESCRITORA: por Cristina Lasaitis

Cris Lasaitis

Como escritora e revisora às vezes recebo e-mails de autores iniciantes que me enviam trechos do seu primeiro livro, necessitados, não de um serviço, mas de uma simples orientação profissional. O que tem me surpreendido, contudo, não é só o aumento no número desses pedidos, mas a incrível semelhança entre eles. Muitos jovens escritores compartilham as mesmas dúvidas, inseguranças, angústias, e até os erros que cometem nos seus manuscritos!
As dicas aqui contidas são de minha inteira responsabilidada. No mais, uma fada morre cada vez que uma ilusão é destruída, e eu não me responsabilizo pelas fadas que vierem a morrer por causa deste guia!
Podemos começar?
Oi, eu escrevi uma história, quero transformá-la em livro e…
A primeira pergunta que o autor iniciante deve se fazer é: qual é o seu objetivo para com o texto que tem em mãos?


A) Quero ser lido.
Um escritor precisa de leitores e é bastante saudável você ter os seus textos lidos antes que resolva se aventurar pelo mundo editorial. A internet facilitou muito para os escritores divulgarem os seus textos com custo zero. Você pode ter o seu blog para publicar as suas histórias, pode buscar em grupos de e-mail e redes sociais fãs de um mesmo gênero literário e outros escritores iniciantes para quem irá divulgar o seu trabalho e com quem irá trocar figurinhas. O importante nessa fase é conquistar a interação com o público, ter o feedback dos leitores: ouça o que vão lhe dizer sobre o seu texto – e acima de tudo: aprenda a ouvir! Avalie os comentários e as críticas, veja quais opiniões são mais pertinentes para o aprimoramento do seu texto, e não tenha preguiça de reescrevê-lo quantas vezes forem necessárias até convencer-se de que chegou à sua melhor versão. Publicar na internet é um bom exercício de amadurecimento da escrita e do senso crítico, e uma via para a profissionalização do escritor. Alguns escritores profissionais têm nos seus blogs a sua principal via de publicação: é prático, ecológico, rápido, gratuito e permite que a informação chegue a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. 

Além disso, vários autores têm explorado o crescente mercado dos e-books. No exterior, os e-books têm se mostrado uma opção cada vez mais rentável na medida em que proliferam os smartphones e os e-book readers, com a possibilidade do usuário fazer download de e-books a preços irrisórios nas lojas virtuais, mas que farão uma diferença significativa nos bolsos dos seus autores. 

No Brasil ainda é complicado ganhar dinheiro com e-books, pois não dá para subestimar a pirataria. Mas se a sua finalidade é mesmo ser lido e divulgado, disponibilizar sua obra em formato digital é uma ótima forma de espalhar o seu trabalho!


B) Quero ser publicado.
Não é mentira se eu disser que hoje qualquer pessoa consegue publicar um livro no Brasil. São inúmeras as editoras por demanda, as editoras de baixa tiragem, as editoras mercenárias que publicam qualquer coisa desde que o autor pague, ou… quem disse que precisa de editora para publicar um livro? Não é raro encontrar autores que arcam integralmente com os custos e viabilizam sozinhos a publicação das suas obras. Se você não quiser ter muito trabalho e tiver $$$, publicar seu livro é fácil, fácil!
A pergunta correta a fazer, então, não é se você vai conseguir publicar, mas como você gostaria de publicar.
Se o seu objetivo é escrever um bom livro, mandar para uma editora, ser aceito e não precisar pagar para publicar, ter a sua noite de autógrafos, ver o seu livro na prateleira da livraria e receber bonitinho os seus direitos autorais, você persegue o ideal do escritor profissional. Não quero dizer que você precisa ser escritor profissional para ter o seu livro publicado deste modo, mas a qualidade da sua obra deverá estar próxima a um trabalho profissional – e por uma única razão: ter o seu livro aceito por uma editora, sem custos para o seu bolso, é difícil, e dependendo do gênero do seu livro (se é mainstream, chick lit, ficção científica, policial, fantasia, poesia, etc.), da sua experiência, da sua sorte, dentre inúmeros outros fatores, pode ser difícil demais.
Lembre-se que o fato de publicar não é uma garantia de que você será lido. Seja realista: você vive em um país dominado por uma cultura majoritariamente audiovisual, uma minúscula parcela da população brasileira é formada por leitores de carteirinha, e mais ínfima ainda é a parcela dos leitores brasileiros que lêem livros de brasileiros! Se o mercado editorial de autores brasileiros é pequeno, é compreensível que as editoras não darão muitas chances para os nossos escritores, e que dirá para os iniciantes! Formar o seu público leitor através de mídias informais – publicando em fanzines, antologias e blogs, por exemplo – é uma maneira de deixar as editoras mais interessadas no seu trabalho.
Pode-se concluir que a publicação de livros em papel passa pela profissionalização do escritor. Então eu lhe pergunto: você é tarado por livros? Escrever e publicar é muito importante na sua vida? Você está disposto a aprender, estudar, praticar indefinidamente, fazer sacrifícios, investir uma parte considerável do seu tempo no desenvolvimento da escrita? E o mais importante: você tem algo a dizer? Se a resposta a uma dessas perguntas for “não”, você pode ser feliz levando a literatura como um hobby, e o que vier será lucro. Mas se a resposta a todas as perguntas for “sim”, assuma a ideia de que você quer ser escritor profissional e corra atrás do seu sonho!


C) Quero ver minha história virar filme.
Se a única razão pela qual você escreve é porque tem o sonho de um dia ver sua história ganhar a telona ou a telinha, sugiro que você pare e repense o que quer realmente.
Entrar na literatura só para querer ir para o cinema será uma jornada trabalhosa demais, tortuosa demais para um resultado imprevisível e com grandes chances de frustração.
É verdade que o cinema e a literatura se comunicam, mas cada uma dessas mídias tem recursos próprios e exclusivos. As imagens do cinema podem ser mais emocionantes e belas do que as palavras são capazes de descrever; por outro lado, as palavras podem criar sensações e emoções impossíveis de transportar para uma tela. O cinema comporta bem as narrativas épicas e dramáticas (e seus subgêneros: comédia, tragédia, farsa e melodrama), e os livros comportam, além dessas, as narrativas líricas. Nesse sentido, a literatura é mais completa por ir além da interface audiovisual, é exequível por meros mortais e infinitamente mais barata do que o cinema.
Sim, alguns livros vão para o cinema, mas nunca diretamente. Veja que é necessário um trabalho de adaptação para transformar um livro em roteiro de cinema, e raramente é o próprio autor quem faz o roteiro adaptado. Na maioria das vezes, depois que os direitos autorais são comprados, o autor da obra sequer é consultado pelos produtores, não tem o menor poder de decisão sobre o que será feito no estúdio. Sem cogitar que o cinema tem o poder de melhorar ou piorar uma história – e, mais comumente, destruí-la. Poucas são as adaptações realmente fiéis às obras originais. E você provavelmente já saiu de uma sessão de cinema ouvindo alguém comentar: “mas o livro é muito melhor!”
Devo acrescentar que estamos falando em português, o que torna a sua vida um tanto mais difícil. No Brasil são pouquíssimos os livros que ganham adaptações cinematográficas, e risque dessa lista as obras de ficção científica e fantasia. Se a sua história for uma história fantástica, cheia de efeitos especiais, que só poderia ser filmada com o dinheiro e a tecnologia dos grandes estúdios estrangeiros, seja realista, é muito difícil que sua história vá para o cinema!
Não estou dizendo que o seu sonho é impossível, nem que você deve desistir dele. Mas há outros meios mais eficazes de perseguir o seu objetivo, ou que pelo menos podem lhe trazer mais satisfação.
Se o seu sonho é mesmo o cinema ou a TV, já pensou em se tornar um roteirista? Muitos roteiristas são escritores, muitos escritores são roteiristas; não há grandes diferenças entre um e o outro: ambos precisam saber como contar uma história. As habilidades são semelhantes, muda apenas a formatação e a finalidade: o foco do roteirista é a obra audiovisual. Não é necessário ter uma formação específica para ser roteirista, você pode estudar manuais de roteiro, procurar cursos – existem até cursos de roteiro gratuitos (como o da Biblioteca Roberto Santos, em São Paulo).
Pense que será mais fácil deixar produtores e cineastas interessados na sua obra se você mandar para eles um roteiro pronto, e não um livro. E também será mais provável conhecer as pessoas certas se você se infiltrar como roteirista no universo do cinema e da TV.
Mas ainda não falei dos empreendedores solitários. No Brasil há escritores fantásticos que construíram suas carreiras publicando romances e, sonhando com a adaptação audiovisual das suas obras, empreenderam suas próprias filmagens, produzindo pequenos seriados para a internet. Não é o mesmo que ir para o cinema, mas é um começo, uma esperança – quem sabe um dia? São casos que podem lhe servir de inspiração, basta ter iniciativa e vontade de trabalhar.
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O que é preciso para escrever um bom conto/ romance?

Essa é uma pergunta muito subjetiva. Subjetiva mesmo, pois não existem fórmulas infalíveis e não há regras sem exceções. Escrever bem demanda um pouco de feeling, talvez um pouco de intuição, mas principalmente senso crítico, habilidade e experiência.
É lógico que escrever um conto de 2 páginas é bem diferente de escrever um romance de 500, mas aqui não disponho de tempo nem espaço para me aprofundar nos diferentes formatos. Listo abaixo 11 dicas genéricas para escrever:

1) Planeje o seu texto.
Há escritores que são intuitivos e que gostam de trabalhar com infinitos graus de liberdade; começam a escrever um texto sem saber aonde ele irá levá-lo, e deixam a história conduzir os seus próprios movimentos (já disse que tem escritores que acreditam que a história tem vida própria?). Isso pode ser simples para escritores experientes ou quando se escreve narrativas curtas. Mas a ausência de um planejamento pode deixar o autor perdido em meio aos labirintos das narrativas mais longas e complexas. Fazer um roteiro do que irá escrever, listando os acontecimentos principais da história dentro de uma sequência lógica, é a melhor maneira de controlar a condução da narrativa. É recomendável que você planeje capítulo a capítulo se for escrever um romance; e que planeje a sequência cronológica dos fatos e a sequência narrativa se for escrever uma história com cronologia não-linear. Repito que planejar é uma forma de ter algum controle, pois durante a redação é comum os acontecimentos fugirem ao plano, novas ideias surgirem gerando desvios na história, e até mesmo um final inesperado se impor antes do desfecho previsto.

2) Pense em gêneros literários.
Nunca cheguei a indagar outros escritores se eles pensam em gênero literário na hora de escrever. Não digo que você é obrigado a decidir-se por um gênero ou outro, a maioria dos autores conduzem suas histórias de forma intuitiva. Mas conhecer os gêneros literários é algo que pode ajudá-lo a compreender melhor o que você quer da sua história. É mais uma forma de nortear a construção da narrativa e pode poupá-lo da dor de cabeça de se perder durante a escrita, começando uma história que parece comédia, depois fica com cara de melodrama e acaba como tragédia, só para citar um exemplo esdrúxulo.
Existem muitas noções falsas a respeito de gêneros e subgêneros literários. Para todos os efeitos, épico não é o mesmo que história de batalhas medievais, comédias não são necessariamente engraçadas, tragédias não são histórias que terminam em morte e melodrama não é sinônimo de novela mexicana açucarada. Deixei-o mais confuso? Por enquanto ficarei devendo uma elucidação desses pontos, mas pensarei em acrescentar um capítulo sobre isso futuramente neste guia. Por hora, meu conselho é que você seja curioso e pesquise sobre os gêneros lírico, épico e dramático, e os seus subgêneros. Eles nos oferecem inúmeros elementos para compor narrativas, e conhecê-los é a melhor forma de você se servir de todo o espectro de variações possíveis dentro da literatura e se sentir mais confiante para escrever, ainda que dentro de estruturas que não lhe pareçam convencionais.

3) Crie conflitos e explore a tensão emocional.
Para os mais ortodoxos, história sem conflito não é história, é só um “causo”. É comum crônicas serem desprovidas de conflito; por outro lado, contos, novelas e romances demandam complicações e resolução de problemas. Quando falo em conflito, note que não precisa ser nenhuma guerra declarada, o conflito pode ser sutil: um dilema, uma busca, um problema que demanda atitudes e ações do personagem. O papel do conflito é conferir tensão emocional à trama, e sabendo explorar a tensão você poderá tornar a sua história especialmente emocionante para o leitor. Existe uma curva clássica de tensão que você pode facilmente identificar em quase todas as narrativas da nossa cultura corrente (em contos, romances, lendas, filmes, peças…), e ela tem este perfil:

A história se inicia em uma situação basal (as coisas como são de costume), surge o fator complicador eliciando o agravamento da situação, o que gera um aumento gradual da tensão até o momento do clímax. No clímax há a resolução do problema (que pode ser também um fracasso), o relaxamento da tensão e, por fim, a conclusão.
Esse esquema é mais uma média do que uma regra. Em algumas narrativas mais longas essa curva não é necessariamente lisa, mas composta por vários picos de tensão. Também nada impede o autor de encerrar a narrativa no clímax, deixando-a sem resolução, ou, se preferir, de explorar uma conclusão excepcionalmente longa, com final e epílogo.
O que você deve saber é como extrair o máximo de tensão emocional a partir dos conflitos. Pensar conscientemente nessa curva de tensão poderá ajudá-lo muito na hora de escrever uma história emocionante.

4) Acerte o ritmo.
É preciso saber conduzir o leitor sem entediá-lo com um texto arrastado demais, nem deixá-lo insatisfeito com uma “ejaculação precoce”. Não é fácil descobrir qual a medida certa de contar a sua história. Se estiver escrevendo um conto, não há espaço para minúcias e prolixidades (ou enchição de linguiça). A narrativa do conto deve ser dinâmica, objetiva, todas as informações devem ser funcionais, e tudo o que for excessivo, redundante e desnecessário deve ser cortado. Isso não quer dizer que o conto dispensa descrições, aprofundamento psicológico e caracterizações – como eu disse, num conto todas as informações devem ter função; devem servir para ambientar o leitor e fornecer-lhe dados essenciais para que consiga acompanhar a narração sem problemas.
Já nos romances há bastante espaço para o detalhamento. É esperado que o romance tenha uma barriga, uma determinada quantidade de gordura textual que serve para enriquecer os entornos da trama, criar uma ambientação rica, gerar pausas e respiros em que é possível a convivência do leitor com os personagens, potencializando o envolvimento emocional e a aproximação empática. No entanto, a ideia de que se dispõe de espaço de sobra pode ser também traiçoeira: ao querer engrossar o livro, o autor pode incorrer no erro de produzir texto demais para conteúdo de menos, e aí não há salvação; o romance ficará arrastado e o leitor terá a sensação de que o escritor está tentando enrolá-lo.
Procure usar o espaço disponível a seu favor. Escreva tudo o que lhe vier à mente, mas ao final do texto não deixe de reler e de cortar tudo o que for excessivo e comprometer a fluidez da leitura.

5) Seja original.
Você não quer que sua obra seja mais do mesmo e o seu leitor espera que você lhe dê o gostinho de algo novo. Pode ser uma história com elementos improváveis, personagens inusitados, um ponto de vista diferente, uma premissa curiosa, uma nova forma de se contar histórias… Para ser original às vezes é necessário explorar os recônditos mais ocultos da imaginação, é preciso andar na contramão, ser meio louco e meio criança, não economizar na ousadia. Ser inventivo é fundamental em qualquer departamento da arte, mas isso não basta. Você só saberá o quanto pode ser original conhecendo o gênero literário em que escreve. Hein? Repito: você só terá uma medida da sua originalidade conhecendo as obras que já foram publicadas no gênero literário em que você escreve. Isso significa que você deve ler e pesquisar muito a fim de saber exatamente o que fazer para fazer diferente.
Você é livre para fazer menções e homenagens através da literatura, citando autores e obras que gosta. Apenas, de maneira nenhuma, incorra no plágio! Não queira se apropriar de personagens, lugares fictícios, invenções, ou ideias que não são suas. Vai ser muito feio se o seu leitor achar que você copiou uma ideia. Então, se for copiar, pelo menos disfarce direito!
Ser original também significa evitar ao máximo os clichês. O que é um clichê? É uma ideia que já foi tão usada que ficou gasta, e a gente usa sem pensar. Por exemplo: o herói bonitão e perfeito que vai resgatar a mocinha indefesa, que foi sequestrada pelo vilão mau e feio – quantas vezes você já viu essa história?
Apenas afiando o senso crítico o autor ganha um bom detector de clichês. Mas na ausência de um, fica a dica: tudo o que lhe parecer convencional demais provavelmente é clichê.

6) Seja verossímil.
Ser verossímil é ser convincente, é oferecer dados que conferem plausibilidade a uma ficção, é oferecer evidências capazes de tornar coerente até o fato mais louco. Você deve sempre buscar essa qualidade, e a razão é muito simples: quanto melhor formos convencidos, mais somos seduzidos por uma história. Trabalhar com a verossimilhança é, de certo modo, explorar essa falha de processamento que faz com que o cérebro não saiba distinguir bem ficção de realidade (razão pela qual acreditamos em religiões, lendas, mitos, seres sobrenaturais, etc.).
Há autores que acham que dentro da ficção científica e da fantasia tudo é possível, então não se dão ao trabalho de sustentar suas histórias dentro de uma lógica. Esse é um grande erro! Na verdade, trabalhar com a verossimilhança de universos fantásticos exige especial cuidado. Um autor que queira escrever uma ficção científica verossímil deve fundamentar sua história com conhecimento científico (ainda que seja uma ciência inventada por ele!). Do mesmo modo, um universo de fantasia convincente deve ter consistência interna e funcionar dentro de leis pré-estabelecidas (ainda que essas leis sejam completamente inventadas!), tomando-se o cuidado de não criar contradições.
Para quem quiser entender mais sobre a arte de enganar o leitor, recomendo fortemente ler os contos daquele que considero o mestre da verossimilhança fantástica: o escritor argentino Jorge Luis Borges.

7) Pesquise!
Por favor, escreva sobre coisas das quais você entende bem, não se aventure a afirmar sobre o que você não tem certeza. Escrever um livro demanda uma vasta pesquisa, mesmo se for um livro de ficção. Há um grande espaço para você exercitar a sua criatividade, naturalmente, mas mesmo uma obra fantástica não sairá integralmente da sua imaginação, você se baseará em algumas informações do mundo real – dados científicos, dados históricos, tecnologias, elementos mitológicos, elementos culturais, citações de outras obras literárias, etc. Lembre-se que o leitor é um bicho muito exigente, ele vai notar se você der um deslize, então não tente enrolá-lo sob nenhuma circunstância.

8) Crie personagens interessantes.
Saber criar personagens cativantes é meio caminho para conquistar o leitor. Podemos dividir os personagens em duas categorias geométricas: os planos e os esféricos.
Personagens planos são superficiais, e não são necessariamente piores do que os complexos, desde que tenham uma função a desempenhar dentro de uma história onde o foco são as ações, os acontecimentos, e não esses personagens. É comum personagens planos serem estereotípicos – o cientista maluco, a sogra infernal, a empregada gostosa, o gay efeminado e o milionário excêntrico são alguns exemplos de estereótipos –, mas há que se ter cuidado com esses perfis genéricos, pois costumam ser ofensivos. Personagens planos carregam a cruz de serem sempre o que são; podem até se redimir, mas não mudam. Não costumam ser bons protagonistas, e o leitor pode ficar enfastiado por serem óbvios e previsíveis.
Personagens esféricos (ou tridimensionais) têm profundidade psicológica, introspecção, defeitos e virtudes, questionamentos e revoltas, manias e idiossincrasias; são personagens parecidos conosco e, em virtude disso, potencialmente carismáticos e úteis para criar empatia com o leitor. Personagens esféricos costumam ir além do herói perfeito e do vilão perverso, coloque aí protagonistas e antagonistas que não são classificáveis dentro do modelo maniqueísta convencional; variados anti-heróis, vilões doces, duplas personalidades, personagens moralmente ambíguos, instáveis, mutáveis, imprevisíveis…
Os personagens podem tanto ser o “prato principal” de uma trama, como serem meras testemunhas do desenrolar dos acontecimentos. O teor da trama definirá a demanda dos personagens. E não se esqueça de que há histórias que admitem como personagens animais, objetos e até lugares.
Regra de ouro: todo personagem deve ter um papel dentro da trama. Se um personagem ficar sem função, é sinal de que ele está sobrando e deve ser cortado.

9) Cuide da linguagem.
É uma pena que a linguagem seja tão negligenciada pelos escritores que fazem literatura de entretenimento. Conheço muitos que se limitam a narrar a sequência de acontecimentos sem se preocupar em nenhum momento com o efeito das palavras. Para fazer uma comparação, são como desenhistas que só se preocupam com os contornos, ignorando completamente a ideia de pintar os desenhos. Uma obra literária sem trabalho de linguagem fica assim: daltônica, sem cor, carente de toda uma dimensão de qualidades.
Ao trabalhar com a linguagem, o autor está preocupando em usar todos os recursos expressivos da língua (fonéticos, morfológicos e sintáticos) para provocar sensações no íntimo do leitor. É uma forma dar personalidade à escrita, conjugando beleza e funcionalidade. Você pode escrever prosa poética, pode explorar o universo de coloquialismos da literatura regionalista, as gírias da literatura marginal, pode criar um linguajar inteiramente novo, sintonizar-se com um espírito de época ou rompê-lo intencionalmente. Escolhendo as palavras adequadas, você pode narrar na voz de um caipira, de um menino de rua, de um robô, de um homem das cavernas, de um poeta, de uma criança…
É difícil falar em linguagem sem citar exemplos, e como não disponho de espaço para isso, as melhores dicas que posso dar é: 
A) estude figuras de linguagem e pontuação, e 
B) leia! Leia prosadores e poetas de todos os períodos literários, e leia autores clássicos e contemporâneos conhecidos pelo seu trabalho de linguagem.

10) Use elementos estéticos.
Éstética diz respeito aos elementos de caracterização e ambientação que você usará nas suas histórias: é a arquitetura, o paisagismo, a iluminação, a cenografia, o design dos objetos, a moda que veste os personagens, a decoração, as condições meteorológicas, o espírito de época, etc. São dados que serão fornecidos ao leitor através de descrições e também por uma linguagem característica. Algumas vanguardas literárias, como o cyberpunk, o steampunk, o dieselpunk e o new weird, trazem consigo pacotes prontos de estética e linguagem. Por exemplo: o gênero steampunk (punk a vapor) é uma mistura de elementos ornamentais e tecnológicos da era vitoriana com tendências do movimento punk, e no domínio da linguagem é caracterizado por uma curiosa mescla da fala empolada do séc. XIX com expressões pós-modernas.
É importante pensar na estética, sobretudo quando se pretende contar uma história que se passa em uma realidade diferente desta que conhecemos: um país estrangeiro, um outro planeta, um universo de fantasia, algum lugar do passado ou do futuro. Ainda que o cenário escolhido não seja exótico, a estética pode ser trabalhada com a finalidade de projetar um ponto de vista particular, ressaltando características específicas do ambiente, por exemplo: histórias de terror inspiram-se com frequência na estética gótica, utilizando muitos cenários noturnos, cores frias, contrastes, ambientação sombria e lúgubre, etc.

11) Burile.
Colocou o ponto final no texto? Acha que está pronto? Não está, não! Agora você deve relê-lo algumas vezes e verificar se a escrita está clara, se a história está coerente, se a leitura está fluida, se os diálogos soam naturais, se não ficaram lacunas de entendimento, se não há nada que tenha ficado forçado ou inverossímil, se não há nenhum personagem que ficou sem papel, se não há nenhum elemento que ficou sem função, se não há trechos e falas que não farão falta se forem cortados… Não tenha dó de fazer cortes, seu texto irá ganhar se você limpar toda a banha para deixar apenas o filé. Saiba que há casos de escritores que chegam a cortar até metade do texto entre o primeiro rascunho e a versão final!
A qualidade do texto é diretamente proporcional ao tempo que o escritor gasta polindo as suas arestas. O trabalho de burilamento pode ser a parte mais demorada e exaustiva do processo de escrita, mas é essencial se você preza por um trabalho bem feito. Em meio a tantos autores e publicações em quantidade, o cuidado com a qualidade do texto pode ser um grande diferencial, pense nisso!
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O que preciso para me tornar um escritor profissional?

Não existem fórmulas mágicas para isso. Tornar-se escritor é um desafio que você pega ou larga. É um aprendizado enorme, tortuoso, dá trabalho, toma tempo, e só vale a pena se você realmente ama o que faz. As dicas a seguir podem lhe ajudar a chegar lá:

A) Leia. Em primeiro lugar, o escritor é um leitor, portanto leia. Leia. Leia mais um pouco. Leia até ficar com dor de cabeça! Leia livros variados. Não deixe de ler clássicos e cânones da língua portuguesa (porque é a língua em que você escreve). Conheça as obras do gênero que você pretende escrever (p ex.: se quer escrever fantasia, pesquise sobre tudo o que já foi publicado em fantasia). 

E não apenas leia, estude com os olhos de um escritor. Repare em como os autores desenvolvem as suas narrativas, tente visualizar a estrutura dos textos, preste atenção no trabalho de linguagem, perceba as sutilezas, sinta os efeitos… 
Pense sobre o que você leu. Extrapole as interpretações, pense sobre a mensagem do autor, o modo como ele a expôs e se deixou sugestões ocultas nas entrelinhas. Faça exercícios críticos. Compare autores. Descubra por que você gosta dos livros/autores que gosta, entenda quais os pontos fortes deles, e faça também o exercício de procurar defeitos nos seus livros/autores preferidos. Só a leitura irá afiar o seu senso crítico.

B) Conheça a sua língua. A língua portuguesa é uma tigresa indócil: gramática complexa, regras cheias de exceções, vocabulário vasto, reforma ortográfica recente… Você não é obrigado a saber tanto quanto o Professor Pasquale, mas deve ter conhecimento o bastante para escrever decentemente. 

Você pode pensar: “mas haverá um revisor lá na frente para corrigir os meus erros”. Sim, é verdade. Mas se o seu intuito é ser um escritor profissional, a língua portuguesa é o seu instrumento de trabalho, então busque ser profissional. Não vai doer se você anotar suas dúvidas de português, consultar dicionários, pegar os livros de gramática do colégio de vez em quando para estudar. Mesmo que você queira escrever suas narrativas numa linguagem cotidiana, coloquial, é necessário ter o domínio da norma culta. O escritor precisa saber escrever certo para se dar a liberdade de escrever errado! E não se esqueça que a escrita é uma espécie de educação continuada. A língua é dinâmica, viva, você deve sempre se atualizar e acompanhar os seus movimentos.

C) Pratique. E muito. Há autores que reservam um horário do dia para escrever e escrevem todos os dias. Tenha em mente que o aperfeiçoamento da escrita é lento, e se você procrastinar será mais lento ainda. Ademais, escritores profissionais não podem depender da inspiração para escrever. É como qualquer outra profissão: você deve trabalhar com chuva ou com sol, apaixonado ou com dor de barriga. Faça um esforço para escrever fora da sua zona de conforto, além da sua disposição e da inspiração.

D) Comece por narrativas curtas. Por mais ansioso que você esteja para escrever sua primeira trilogia épica, entenda que você só vai produzir uma boa trilogia (ou um romance que seja) quando tiver habilidade para isso. Por mais genial que seja a sua história, ela irá se perder se você não souber como contá-la. Costumo dizer que o escritor iniciante que resolve escrever um romance logo de cara é como uma pessoa que nunca trabalhou na construção civil que de repente resolve erguer uma casa sozinha, dificilmente o trabalho ficará bom. Falta a habilidade e o conhecimento técnico das fundações, da estrutura.
Por isso, antes de se pôr a elaborar romances, amadureça primeiro a sua escrita, escreva contos! Contos são um ótimo laboratório de escrita: são narrativas curtas, fáceis de serem levadas a cabo e são altamente experimentais. Escrevendo uma dúzia de contos você poderá testar diferentes estruturas, tempos verbais, narradores, estilos, linguagens, poderá provar diferentes gêneros literários, usar diversas receitas e até fazer invenções! Além disso, contos são exercícios de síntese, ensinam a cortar informações desnecessárias e evitar a prolixidade. Escrever contos lhe possibilitará ter um feedback rápido dos leitores (e, convenhamos, é mais fácil reescrever um conto do que um romance inteiro!). Através dos contos você poderá matar sua vontade de publicar em curto prazo, participando de antologias de autores. 

Dedique um tempo para amadurecer as suas habilidades literárias até estabilizar um estilo próprio. Conforme adquirir confiança na sua escrita, você poderá se aventurar por narrativas cada vez mais longas.

E) Aprenda a ouvir críticas. Um escritor precisa de leitores, certo? E um escritor que queira vender precisa agradar a muitos leitores. Não estou dizendo que você vai escrever apenas em função de agradar, mas ainda que o que você tem a dizer não seja do agrado da maioria, o importante é que você escreva bem, que tenha algo importante a comunicar e que sua mensagem tenha o poder de tocar o leitor. Para aprimorar a sua escrita você precisa de opiniões, então não seja fresco: peça-as e escute-as! Seus pais, seus tios, seus amigos provavelmente vão dizer que você escreve bem e disso você pode concluir duas coisas: 1) eles não entendem nada de literatura, e/ou 2) eles amam você demais para perderem tempo sendo sinceros. Não, as pessoas próximas a você são suspeitas demais, não contam. Procure a opinião de pessoas com quem você não tem nenhum vínculo, que sejam leitoras habituais ou também escritoras, e que sejam mais experientes que você no ramo. E tenha em mente que não são elogios que lhe ajudarão a aprimorar a escrita: são as críticas! Alguém precisa lhe indicar os pontos fortes e fracos do seu texto, apontar tudo o que pode ser melhorado. Não seja defensivo, ouça abertamente, compare opiniões e pondere. Contratar um serviço de leitura crítica pode lhe ajudar bastante, sobretudo quando tiver interesse de encaminhar o seu manuscrito para uma editora.

F) Participe de oficinas. Nada melhor para interagir com outros autores do que participar de oficinas. Oficinas de escrita podem ser organizadas em escolas, universidades, bibliotecas… E mesmo que você more em Pirapora do Bom Jesus e seja o único escritor num raio de mil quilômetros, não se desespere, a internet faz maravilhas por você! É possível organizar uma oficina através de grupos de e-mail, e publicar os textos produzidos em blogs, sites e fanzines virtuais criados especialmente para isso. Por mais informal que seja, é interessante a roda se restringir a um grupo pequeno de escritores (cerca de 10 pessoas) dispostos a levar a sério as atividades. Para uma oficina funcionar, os membros propõem um texto a ser redigido (conto, crônica ou poema, dependendo do interesse do grupo) dentro de um tema, cada membro envia o seu texto e todos lêem e emitem as suas opiniões. Na ausência de um cronograma de atividades, existem manuais de escrita que podem ser usados para conduzir oficinas. Geralmente as oficinas são comandadas por um escritor mais experiente, mas isso não é regra; um grupo de escritores iniciantes pode alcançar bons resultados pela simples troca de experiências e impressões. Em todo caso, oficinas são excelentes para o aperfeiçoamento da escrita e do senso crítico e é altamente recomendável que você participe de uma.

G) Postura profissional. Se você deseja ser um escritor profissional pode começar desde já a buscar uma postura profissional. Profissionais têm ética no seu trabalho e nas suas relações. Profissionais prestam serviços e desenvolvem produtos. Profissionais pesquisam o mercado em que estão se inserindo. Profissionais buscam excelência e inovação. Para o escritor profissional, o livro não é o seu filho, não é o seu ego, não é a sua extensão; o livro é meramente um produto. É duro falar assim de algo que tem um valor emocional imenso para o autor, mas a partir do momento que você procura uma editora, aceite que você tem um produto e quer vendê-lo. No escritório do editor o que conta não é o entusiasmo autoral, mas o potencial mercadológico. Não adianta dizer que o seu livro é especial, que é a coisa mais importante da sua vida; o editor pode lhe pedir para reescrevê-lo, para cortá-lo pela metade, para mudar o final, e você naturalmente pode não gostar. Se você não estiver preparado para tratar o seu livro como um produto, não está preparado para publicar.
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Como publicar meu livro?

A primeira dica é: não tenha pressa! Porque se você fizer uma publicação ruim ou de qualquer jeito, irá se lamentar até conseguir outra melhor.
Antes de procurar uma editora é aconselhável contratar um serviço de leitura crítica profissional. Saiba ouvir as críticas que você vai receber e considere fazer modificações no manuscrito a fim de melhorá-lo. Quando tiver a versão definitiva, contrate um serviço de revisão e somente então vá procurar as editoras.
Procure editoras que publiquem autores nacionais e livros do mesmo gênero que o seu. Pesquise detalhes mercadológicos sobre as editoras: qualidade do trabalho de diagramação e impressão, preço de capa, tiragem, distribuição nas livrarias e, eventualmente, publicidade. Peça a opinião dos autores que publicaram pelas editoras que você tem em vista. Muitas editoras cobram (caro) do autor, mas nem todas. Dê prioridade àquelas que lhe parecerem ter o melhor custo-benefício (e de preferência, sem custos para o seu bolso).
Para alguns autores esse processo é uma via-crúcis. Muitas editoras têm um limbo especial chamado “pilha do amor”, feita de manuscritos que supostamente serão avaliados com muito carinho em algum momento da eternidade antes que o papel entre em decomposição. Infelizmente é comum as editoras demorarem meses para lhe dizer um simples “não”. Esteja ciente de que na sua vida autoral você irá receber algumas cartas de recusa. Isso é praxe. Todo escritor recebe cartas de recusa! Simplesmente não se abale, risque essa editora da lista e vá bater na próxima. Seja persistente. Se o seu trabalho for bom, alguém irá se interessar. Se servir de consolo, lembre-se que existem livros de sucesso que foram campeões em recusa de editoras.
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O que preciso para me tornar um escritor rico e famoso?

Se você quer ficar rico, é altamente recomendável que jogue na mega-sena todas as semanas e tenha muita, muita sorte!
É comum a TV e o cinema venderem a fantasia do escritor bem sucedido, que tem dinheiro para viajar o mundo, que vive numa mansão, que frequenta jantares luxuosos e tem uma vida amorosa pra lá de movimentada… Mas como você vê, esses escritores são personagens de ficção, construídos a partir dos sonhos de outros escritores. Na prática, vida de escritor não é fácil. Pode até ter charme intelectual, mas não costuma ter muito glamour.
Sim, existem escritores que ficaram ricos e famosos como escritores. E não, esse não é um sonho impossível. Mas fama e dinheiro vêm para tão poucos, que é uma furada tornar-se escritor apenas em função desse sonho.
No Brasil, não é bom negócio ser escritor. O povo brasileiro tem uma cultura majoritariamente audiovisual, por aqui são raros os leitores vorazes, e mais raros ainda os brasileiros que lêem livros de brasileiros. Como o mercado de literatura nacional é pequeno, as editoras dão poucas chances aos escritores estreantes. É um desafio conseguir publicar o seu livro, e um desafio maior ainda conseguir formar um público de leitores. Além disso, leve em conta que o escritor ganha em torno de 10% de direitos autorais sobre o preço de capa do livro. Mesmo que venda centenas de exemplares, o valor que recebe é irrisório e mal dá para pagar a conta de luz!
Não é exagero dizer que muitos escritores trabalham por paixão. Mas como paixão não tem proteínas, vitaminas nem sais minerais, a grande maioria dos escritores brasileiros tem um emprego convencional para se sustentar e escreve nas horas vagas. É óbvio que nenhum escritor de fim de semana tem condições de competir com o Stephen King, com o Dan Brown, com a J.K. Rowling, e nem mesmo com o Nicholas Sparks, seja ele quem for.
São pouquíssimos os escritores brasileiros que realmente vivem de literatura, e esses geralmente complementam o seu “salário” dando conferências, palestras, oficinas, ganhando prêmios, participando de bancas avaliadoras, escrevendo colunas em jornais… Como você vê, é um trabalho sacrificado, mas infinitamente gratificante para quem faz o que ama. Quando você é muito bom no seu trabalho, consegue ganhar reconhecimento e algum dinheiro. Mas se isso não for suficiente, consulte o paulo@coelho.
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Minha primeira obra será uma trilogia!

Cuidado, você pode ter sido infectado pelo Trilogium iniciatus! Trata-se de um agente patogênico pouquíssimo conhecido que infecta o sistema nervoso dos autores iniciantes produzindo um desejo incontrolável de escrever trilogias. 

Embora não seja mortal, essa síndrome bizarra gera um imenso estresse no organismo, que se põe a escrever a torto e a direito sem nunca conseguir chegar ao fim do primeiro livro, ou, se chegar, sem conseguir produzir uma narrativa madura e de boa qualidade. O primeiro sintoma é o aparecimento de uma ideia fixa e persistente de que a história só pode ser contada em três livros – e já foram reportados casos de autores que resolveram escrever trilogias de cinco, sete e até treze livros!
Embora o autor infectado reconheça que é mais fácil e apropriado para o seu nível de experiência escrever narrativas curtas e produzir um primeiro e único livro de estreia, por algum motivo misterioso o organismo insiste no gigantesco dispêndio de energia de produzir uma trilogia logo de cara.
Tem tratamento? Em geral, recomenda-se o engavetamento da trilogia, seguido de um período de amadurecimento da escrita através de narrativas curtas e, de preferência, participando de oficinas literárias. Durante esse período de terapia, o autor irá fazer experimentações, aprender técnicas, estabilizar um estilo, compreender a estrutura da narrativa, ler muito, aguçar o senso crítico e amadurecer como autor a fim de poder escrever a sua tão sonhada trilogia.
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Como faço para publicar meu livro no exterior?

É indiscutível que conseguir publicar o seu livro em outra língua é uma conquista e tanto, ainda que simbólica. Significa que alguém lá fora viu potencial no seu trabalho, por alguma razão o seu livro chamou a atenção e assim aumentaram muito as chances de haver um “evento em cascata”, fazendo editoras se interessarem em publicá-lo em outros países, o que fará mais editoras se interessarem em publicá-lo em outros países…
Uma publicação no exterior aumenta as suas chances de ganhar algum dinheiro e, definitivamente, de ficar famoso.
É difícil? Eu diria que é dificílimo.
Para quem quer espalhar sua obra pelo mundo, a língua portuguesa é um sério entrave. O mais seguro será publicar em inglês, certo? Só que são poucos os tradutores literários que fazem versão português/inglês, e, como você pode imaginar, o serviço custa bastante caro. Mas suponhamos que você pague pela versão inglesa do seu livro, seu próximo passo será buscar uma editora no exterior. Você escolhe a dedo editoras norte-americanas ou inglesas que publicam livros do mesmo gênero que o seu, manda o seu manuscrito e fica sonhando com uma resposta.
Vou lhe confidenciar uma coisa: descobrir como funciona o mercado literário de língua inglesa pode ser uma experiência traumatizante para um autor! A começar que é um mercado supersaturado; são milhares de publicações por mês; são montanhas de livros cobrindo montanhas de livros, são milhares de autores se sobrepondo a milhares de autores. Nesse cenário, o escritor irá trabalhar como um louco a vida toda para ser mais um na prateleira da livraria. 

Há público para tudo isso, é verdade, há leitores no mundo todo, as tiragens são gigantescas. Para atender a esse mercado existe uma verdadeira indústria, o que significa que o método também é industrial. As publicações são encabeçadas por um exército de escritores profissionais com os quais é impossível concorrer, muitos deles escrevem sob encomenda, dentro de fórmulas padronizadas por editoras; são como fábricas de best sellers

Obviamente, não sobra muito espaço para a criatividade. Há livros sobre tudo, o autor olha para os horizontes da livraria e desconfia que todas as ideias já foram usadas, (imagine a angústia!). Como ficam os autores iniciantes? Ficam sufocados, batalhando pela sua primeira publicação, queimando os neurônios enquanto tenta descobrir como fazer seu livro sobressair em meio à inundação.
A única vantagem que pode ter um escritor estrangeiro nesse contexto (o que inclui os latinos, como nosotros) é servir de prato exótico para um mercado sedento por tudo, e talvez essa seja a única brecha possível.
Desculpe se eu acabo de destruir uma ilusão, mas vou lhe recompensar com uma boa notícia. Está sentindo o ar fresco? Está vendo os prados verdes, essas montanhas virgens ao seu redor? Pois bem. O mercado literário brasileiro ainda não está saturado. O nosso país anda extremamente necessitado de bons escritores de ficção – aliás, anda necessitado de qualquer mão-de-obra intelectual. E se o seu negócio for literatura fantástica, este é um gênero que está apenas engatinhando na literatura brasileira, o que lhe dá um espaço enorme para trabalhar e fazer o seu nome. Posso estar soando otimista demais, mas acabei de lhe dar um banho de realidade, então creio que temos um equilíbrio (e não dá para viver sem esperança, dá?). Se não pode competir com a J. K. Rowling nas prateleiras da livraria, pelo menos você está perto do seu público, então aproveite! Cative os seus leitores, pois eles estão carentes de referências imediatas e vão achar o máximo ter um escritor que os conhece pelo nome. Não fique no sofá esperando vender livros, organize eventos! Vá para as escolas. Vá para as bibliotecas. Plante uma árvore. Faça a sua parte!
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Se achar que meu texto está ruim, não me conte.

Quando emitimos uma opinião sobre o seu texto ou fazemos uma leitura crítica, o objetivo não é deixar você triste, mas indicar seus pontos fortes e apontar tudo o que ainda pode ser melhorado. Mas se você tem problemas em lidar com críticas vai ser muito difícil que chegue a ser um escritor profissional, pois escritores são criticados o tempo todo – e quanto mais fazem sucesso, mais são criticados! E quer saber? Não há texto que consiga agradar a todos os leitores.
Seu livro pode ter um valor emocional gigantesco para você, mas para o mercado ele é só um produto em potencial. É difícil, eu sei, mas sua obra não é um pedaço seu, não é sua filha, aprenda a vê-la como algo independente! Quando um leitor crítico ou editor lhe diz que seu livro é ruim, ele não está dizendo que você é um fracasso como ser humano, apenas que seu livro é ruim. E se você souber ouvir o que ele tem a dizer, poderá se beneficiar das críticas e descobrir como aperfeiçoar o seu texto.
Nenhum autor deixa de amar sua própria obra, mas para lidar com o mercado e os leitores, é necessário criar um distanciamento emocional, afinal, você não precisa sofrer com as críticas!
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Quero publicar meu texto na internet/ mandar meu texto para um concurso, mas tenho medo que o meu trabalho seja copiado

No Brasil temos a impressão de que ninguém dá muita bola à propriedade intelectual – quem nunca pirateou uma música, um jogo, um filme, um seriado de TV? – Por outro lado, não é comum haver roubo de propriedade intelectual, ainda mais quando falamos de literatura. É mais fácil você ser acusado de plágio do que topar com alguém que resolva reclamar a autoria de um texto seu.
Se você não quer arriscar ter seu trabalho roubado, pode usar uma dessas dicas: 1) Se você tem uma obra completa (um livro, uma peça, uma novela, um roteiro, um volume de história em quadrinhos), registre-a na Biblioteca Nacional e garanta os seus direitos autorais! Cada registro custa vinte reais e não há razão para não fazer. Ou, 2) se você quer proteger apenas um conto, uma poesia, um capítulo ou trecho de livro, pode não valer a pena registrá-lo como uma obra. Você tem a alternativa de ir a um cartório e fazer uma cópia autenticada do seu texto com reconhecimento de firma. Se vier a acontecer uma disputa, a data do carimbo do cartório servirá como prova de primazia.
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Estou inseguro em mostrar meu livro porque é uma história infantil/ erótica/ trash/ etc.

Literatura infantil é literatura.
Literatura erótica é literatura.
Literatura trash é literatura.
Literatura de ficção científica é literatura.
Literatura de fantasia é literatura.
Literatura de terror grotesco é literatura.
E a única razão para você acreditar que escreve uma literatura menor é estar agindo em função de um preconceito, que apesar de sabermos que existe, não devia partir de você, que é o autor.
Nenhum preconceito internalizado irá ajudá-lo. Acredite no seu trabalho, independentemente do gênero que tenha escolhido. Não existem gêneros melhores ou piores, o que existem são livros bem escritos e mal escritos.
Na hora de lidar com profissionais do livro, não tenha vergonha do que você escreveu, por mais cabuloso ou cabeludo que seja. Pense que o seu trabalho é semelhante ao de um ator, que não deve ter vergonha de atuar nas cenas mais esdrúxulas ou controversas, pois a ficção não diz nada a seu respeito. A arte é uma licença, então a use sem culpa. Se ainda assim você não quiser arriscar, assine a obra sob pseudônimo.
É normal ficar com um pé atrás sabendo que certas editoras e certos acadêmicos torcem o nariz para o tipo de literatura que você escreve. Mas sua obra não está condenada por isso, hoje temos um mercado literário amplo e que publica de tudo, é quase certo que alguém terá interesse no seu trabalho desde que ele seja bem feito. Só não seja bobo de mandar o seu livro para uma editora que você já sabe que não irá aceitá-lo.
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Eu tive uma ideia nunca tida antes!

Não sei qual é a sua ideia, mas aposto com 99,9% de certeza que alguém já a teve, e com outros 98% de certeza que alguém já escreveu um livro com ela. Tantos livros já foram escritos, tantos filmes já foram filmados, tantos inventos inventados, que parece que não restam mais ideias disponíveis. Se você tiver a sorte de achar uma ideia novinha em folha, agarre que é raridade!
Mas como ser original sem ideias inéditas? Os temas são limitados, mas a criatividade é virtualmente infinita. Você pode fazer associações novas de ideias, pode fazer inversões novas, reinvenções novas, achar novas formas de contar…
Um escritor criativo pode dar uma aparência inédita a uma história velha e batida: pode inverter os papéis, inventar uma nova ambientação, contrariar todos os clichês, projetar um ponto de vista não convencional sobre a história. Isso não apenas é lícito, como uma boa fatia da literatura de ficção se baseia em recontar mitos, lendas e casos bem conhecidos.
Mas como já disse e repito: a melhor maneira de ter uma medida da sua originalidade é conhecer bem o gênero literário que você se dedica a escrever. Conhecendo as obras que já foram publicadas, você terá uma boa noção do que fazer para fazer diferente.
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Minha história se passa na Inglaterra medieval/ nos EUA contemporâneo. O protagonista se chama John…

Primeiramente, vamos deixar claro que você é livre para ambientar a sua história onde quiser e dar aos seus personagens o nome que bem entender. Isso é indiscutível, certo?
Agora vamos analisar a questão.
É fascinante como o mundo é grande, não é? A sua história poderia se passar numa aldeia do Xingu, poderia acontecer em uma base científica na Antártida, em uma metrópole da Malásia, em uma reserva do Congo, num enclave separatista da Rússia, num bairro operário chinês, numa fazenda da Groenlândia, poderia acontecer numa tribo de beduínos, num navio petroleiro cruzando o Índico, em uma ilha da Polinésia, – ou ainda mais longe: – poderia acontecer em outro planeta, em outra dimensão, em uma realidade paralela, em um mundo imaginário; mas por alguma razão inexplicável a sua história foi se passar justamente nos EUA?!
Onde quero chegar com isso?
Veja que inúmeras histórias já foram escritas na língua inglesa, mais do que em qualquer outra língua, e boa parte delas foi ambientada na Inglaterra medieval, moderna e contemporânea e nos EUA moderno e contemporâneo. Como essas histórias são o prato principal que consumimos todos os dias na programação da TV, nas salas de cinema, nos livros fantásticos, nas histórias em quadrinhos, etc.; os jovens escritores brasileiros reproduzem a cultura anglo-saxã automaticamente, sem pensar. O problema é que, além de reproduzir, acontece uma coisa ainda mais grave: eles não conseguem mais pensar de outro jeito! 

Muitos são acometidos pela estranha sensação de que a sua história só pode ser levada a sério se se passar nos EUA (ou na Inglaterra) e se os personagens tiverem nomes anglo-saxões. Alguns até imaginam as cenas faladas em inglês e com legendas passando no rodapé dos pensamentos!
Se isso estiver acontecendo com você, tenho uma notícia muito triste: você foi colonizado!
E tem mais: sua obra ambientada nos EUA ou na Inglaterra não terá condições de concorrer com as toneladas de obras já existentes na literatura inglesa, portanto não acredite que esse é um caminho para ser aceito lá fora.
Sugiro que você reflita sobre como anda a sua autoestima como brasileiro. Não significa que você é obrigado a ambientar suas histórias no Brasil – percebe que essa não é uma questão de meros nomes e lugares? O que quero dizer é que você ignora a sua autenticidade enquanto tenta imitar o que vem de fora. Produzir literatura universal não é o mesmo que escrever como os britânicos e os norte-americanos, não é tentar se adequar a eles ou compartilhar da mesma visão – e do mesmo viés. Você pode falar ao mundo sem deixar de ser brasileiro, ter o seu próprio ponto de vista, que não é melhor ou pior que o dos outros, mas que será valorizado por ser autêntico.
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FONTE: Texto copiado na íntegra com licença da Autora CRISTINA LASAITIS

A AUTORA:  Cristina Lasaitis é biomédica, escritora e curiosa profissional. Publicou o livro Fábulas do Tempo e da Eternidade (Tarja Editorial 2008/2010) e participou de uma série de coletâneas de literatura fantástica antes de resolver organizar A Fantástica Literatura Queer (Tarja Editorial 2011). Costuma psicografar a si mesma no blog Anatomia da Vertigem: https://cristinalasaitis.wordpress.com

Contato para serviços de revisão, leitura crítica e afins: cristinalasaitis@gmail.com

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